Ética do jornalista, da empresa e do estagiário
"... uma discussão ética que não toque na ética
das empresas resulta numa conversa de 'porte e postura."
Eugênio Bucci
Estou na docência há 38 anos. Naveguei por mais de uma
escola/universidade e por tantas salas de aulas. Os alunos/as são talentosos e
a razão da academia. Vejo e vi durante todos esses anos jovens cujo olhar
expressava a vontade, o desejo de interferir na vida da sociedade, na vida
política, na vida econômica. Na vida. Mas vi, também, muitos empecilhos. Como a
angústia de alunos/nas submetidos/as à pressão das empresas nas quais trabalham
ou trabalhavam e que restringem ou restringiam a possibilidade de estudar. Ou
seja, na lógica da produção, o estudante trabalhador ou estagiário tinha ou tem
de priorizar o trabalho. O estudo...ora, apenas algo acessório. Vejo, assim,
coordenadores e gerentes vestidos com a fantasia do chefe, do mandão a
menosprezar o estudante. Isso parece aliviar o ego, a autoestima. E a empresa
abusa do estagiário dando-lhe tarefas de produção que deveriam ser dadas a
profissionais. Mas a lógica é a da exploração da mão de obra mais barata
possível. E cobram do estagiário habilidades que ainda está processando,
aprendendo.
Escrevo isso, talvez um desabafo tardio, para apontar a
indigência e a farsa de inúmeras empresas, organizações ditas
"empreendedoras" que, de fato, usam e abusam dos estagiários e jovens
contratados, estudantes. Empresas ou organizações que investem na propaganda da
marca ou do produto com argumentos humanistas, de respeito ao humano etc.
O discurso liberal ou neoliberal eleva as empresas ao status
celestial. O autoelogio é predominante. O marketing não sobreviveria sem o
autoelogio.
Há postagens, aqui no face, de demitidos exaltando a
organização e até os chefes que os demitiram sob a frase feita do "novo
desafio" ou de "uma etapa cumprida" e por aí a fora. Bobagem.
Quem é demitido fica puto da vida. Toda demissão, desde que não negociada com
vantagens, é uma afronta à autoestima. Mesmo que o sujeito tenha muito a
oferecer, pois as empresas erram, e muito.
A hierarquia é perversa, na medida em que gerentes e
coordenadores carregam sentimentos vis e autoritários. Muitos querem mostrar
serviço aos diretores e não hesitam em foder subordinados. E estudantes,
estagiários, são subordinados. Muitos são alvos do ressentimento e da volúpia
dos chefes nem sempre avaliados pelos diretores ou superiores, os quais também
apresentam delírios econômicos e são obsessivos com a obediência, de modo a
oferecer a ideia e a conduta do mais realista do que o rei.
Ao longo da carreira acadêmica, inúmeros alunos desabafavam
a angústia de ter de decidir entre finalizar alguma tarefa no estágio ou no
trabalho e chegar em tempo para a aula. Alguns diziam que o trabalho era ou é
fundamental. Mas, não diziam o mesmo sobre os estudos, sobre o curso.
Fico angustiado com toda essa situação. Fica evidente o
quanto o estudo, a Universidade, é desprezado por muitos, numa repetição da
ojeriza à ciência, à educação. Típico do brasileiro comum, que rejeita a
ciência, o conhecimento sistêmico.
Hoje, tento dizer aos alunos quando afirmam "ter de
trabalhar" que também têm de estudar, que o trabalho não é apenas
subordinação, servidão ou subjugação. Se o trabalho não apresenta a
possibilidade da liberdade, não é trabalho, mesmo numa organização hierárquica.
Impedir que um estudante estude, nos horários de estudos, de
participação nas escolas, nas faculdades, é exteriorizar a tirania, a negação
de que somos seres em busca do conhecimento. Acreditar que a empresa, ou
organização, é a única bolha para aprender algo é um reducionismo cruel,
negação do conhecimento plural.
Há, sim, empresas que investem na formação e na compreensão
sobre a importância do aprendizado dos trabalhadores. Mas, são poucas. São
aquelas que acreditam que o conhecimento é mais importante do que o cumprimento
de uma tarefa, de modo a impedi-la de ultrapassar e invadir o horário dos
estudos.